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A teoria da gaiola de ratos

  • Johann Hari
  • 2 de ago. de 2016
  • 3 min de leitura

Faz cem anos que as drogas foram proibidas pela primeira vez e, ao longo desse século de guerra contra as drogas, professores e governos nos contaram histórias sobre os vícios. Até três anos atrás, quando comecei uma jornada de 50.000 kms para escrever “Chasing The Scream: The First and Last Days of the War on Drugs”, eu também acreditava em todas elas. Mas o que descobri em minhas viagens é que quase tudo o que nos contaram sobre a dependência está errado - e existe uma história muito diferente à nossa espera, se estivermos prontos para ouvi-la.

Drogas - A teoria da gaiola de ratos

Aprendi diante de uma mistura extraordinária de pessoas que conheci na estrada, dos amigos de Billie Holiday – que me ajudaram a entender como o fundador da guerra contra as drogas a perseguiu – à um transexual traficante de crack do Brooklyn que foi concebido quando sua mãe, uma viciada em crack, foi estuprada por um policial nova-iorquino.

Se você me perguntasse lá atrás o que provoca o vício, te olharia como se você fosse um idiota, já que não parece difícil entender. Drogas possuem diversos componentes e, ao usá-las com certa frequência, o corpo desenvolve uma necessidade ao compostos químicos. Essa teoria foi estabelecida por meio de experimentos, onde colocavam-se ratos numa gaiola com duas garrafas d’água, sendo que uma delas está misturada à heroína. Os ratos sempre optavam pela garrafa com água batizada, criando uma

verdadeira obsessão e consumindo a droga até a morte.

Mas, nos anos 1970, um professor de psicologia de Vancouver, chamado Bruce Alexander, percebeu algo estranho nesse experimento. O rato está sozinho na gaiola, sem nada para fazer além de usar a droga. O que aconteceria se criássemos uma gaiola sofisticada, onde os ratos têm bolas coloridas e túneis para brincar, vários amigos e boa comida? Ao fazer o experimento,

percebeu-se que os ratos com esta “vida boa” não se interessavam pela água com

droga e nenhum deles morreu. Alexander argumenta que essa descoberta é uma contestação profunda tanto da visão direitista, segundo a qual o vício é uma fraqueza moral causada por uma vida de festas e hedonismo, quanto da visão liberal, que diz que o vício é uma doença que existe num cérebro quimicamente sequestrado. Na verdade, segundo Alexander, vício é adaptação. Não é você. É a gaiola.

Depois da primeira fase, Alexander levou seu teste além. Ele refez os primeiros experimentos, nos quais os ratos se tornavam usuários compulsivos de drogas, depois de a usarem durante 57 dias. Então ele tirou os animais do isolamento e os colocou no parque com distrações. Os resultados, novamente, foram impressionantes: inicialmente, os ratos pareciam exibir alguns tremores de abstinência, mas logo pararam de usar as drogas e voltaram a ter uma vida normal. A gaiola boa os salvou. Quando soube disso, fiquei encucado. Como seria possível? Essa nova teoria é um ataque tão radical ao que nos contaram que não parecia ser verdade. Mas, quanto mais cientistas entrevistava, quanto mais estudos lia, mais descobria coisas que não pareciam fazer sentido - a menos que você leve em conta essa nova abordagem.

Palestra de Johann Hari no TED sobre a guerra contra as drogas

Se você ainda acredita, como eu acreditava, que o vício é causado por agentes químicos, isso não faz sentido. Mas, se você acredita na teoria de Bruce Alexander, a imagem começa a entrar em foco. O viciado da rua é o rato da primeira gaiola, isolado, sozinho, com uma única fonte de conforto. Isso nos dá um insight muito mais profundo que a necessidade de entender os viciados. O professor Peter Cohen argumenta que os seres humanos têm uma necessidade profunda de estabelecer laços e conexões. É como nos satisfazemos. Se não conseguirmos nos conectar uns com os outros, vamos nos conectar com o que encontrarmos - a bolinha pulando na roleta ou a ponta da agulha de uma seringa. Um viciado em heroína criou uma ligação com a droga porque não conseguiu estabelecer outras conexões.

Deveríamos simplesmente parar de falar em “vício” e falar de “ligação”.

Johann Hari

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